terça-feira, 17 de abril de 2012

As grandes síndromes geriátricas



"O tempo não pára no porto,
não apita na curva,
não espera ninguém".

(Reginaldo Bessa)



Idosa: Imagem da net


1)  Introdução
                      

   O envelhecimento populacional é, hoje, um fenômeno proeminente mundial. Esse fenômeno,    inicialmente observado de forma lenta e progressiva em países desenvolvidos, passa a ocorrer com enorme velocidade em países em desenvolvimento (LIMA COSTA; CAMARANO, 2008). É reflexo da diminuição das taxas de mortalidade e fecundidade, progresso da medicina e avanços socioeconômicos e tecnológicos que, juntos, possibilitaram um aumento da expectativa de vida, sendo que esta última varia dependendo da região do planeta (WHO, 2012).
    Pode-se considerar o envelhecimento, como admite a maioria dos biogerontologistas, como a fase de um continuum que é a vida, começando esta com a concepção e terminando com a morte (PAPALÉO NETTO, 2002). De acordo com Sant'anna (2003), envelhecimento é um conceito multidimensional que, embora geralmente identificado com a questão cronológica, envolve aspectos biológicos, psicológicos e sociológicos. Além disso, as características do envelhecimento variam de indivíduo para indivíduo, dentro de um determinado grupo social, mesmo que expostos às mesmas variáveis ambientais.
    A Organização Mundial da Saúde (WHO) classifica cronologicamente como idosas as pessoas com 65 anos anos ou mais de idade, em países desenvolvidos, e com 60 anos ou mais de idade, em países em desenvolvimento.


"(...) e me acostumei a despertar cada dia com uma dor
diferente que ia mudando de lugar e forma,
à medida que passavam os anos.
Às vezes parecia ser uma garrotada da morte
e o dia seguinte se esfumava. Nesta época ouvi dizer
que o primeiro sintoma da velhice é quando a gente
começa a se parecer com o próprio pai".
(Gabriel Garcia Márquez)


     Segundo projeções da ONU (2005), na metade do século atual, a população global com 60 anos ou mais está projetada para expandir-se mais de três vezes e deverá atingir quase 2 bilhões em 2050. Até então, 33 países deverão ter mais de 10 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, incluindo 5 países com mais de 50 milhões de idosos: China (437 milhões), Índia (324 milhões), Estados Unidos (107 milhões), Indonésia (70 milhões) e Brasil (58 milhões). Pela primeira vez na história, haverá mais idosos do que jovens. Mais de 25% desses 2 bilhões de idosos estão projetados para se tornarem “mais idosos”, ou seja, com 80 anos ou mais. 




Gráfico 1: Estimativa da população mundial (1950-2050).
Fonte: ONU/OPAS.


    O envelhecimento traz grandes desafios para as sociedades contemporâneas. Um dos desafios diz respeito à maior demanda por serviços de saúde e o despreparo dos sistemas de atenção para lidar com essas mudanças (LIMA-COSTA; CAMARANO, 2008). Em relação a essa população envelhecida, prevenir agravos à saúde ganha maior urgência nos tempos modernos, quando uma população em envelhecimento está enfrentando um aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNI) e nos custos de tratamento dessas condições (WOOLF, 2009).
    A saúde da pessoa mais velha é entendida como a interação entre saúde física, saúde mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência econômica (RAMOS, 2002). 


As doenças crônicas não-transmissíveis - DCNTs (doenças
 cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias crônicas, 
diabetes e doenças musculoesqueléticas, entre outras)
 são doenças multifatoriais e têm em comum fatores comportamentais
 de risco modificáveis e não modificáveis.
Dentre os fatores comportamentais de risco modificáveis destacam-se
o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, a obesidade,
as dislipidemias, a ingestão insuficiente de frutas e hortaliças e a inatividade física.
Estimativas da Organização Mundial de Saúde (WHO) apontam que as DCNTs 
já são responsáveis por 58,5% de todas as mortes ocorridas no mundo e por 45,9%
da carga global de doença, constituindo um sério problema de saúde pública,
tanto nos países ricos quantos nos de média e baixa renda.
(BRASIL, 2010).
                  

2) As grandes síndromes geriátricas


     A independência e autonomia do indivíduo devem-se ao funcionamento integrado e harmonioso de quatro grandes funções: cognição, humor, mobilidade e comunicação (MORAES; MEGALE, 2008).


Fonte: Moraes; Marino; Santos (2010).


2.1) Incapacidade cognitiva

   A independência e autonomia nas atividades de vida diária, básicas e instrumentais estão estritamente relacionadas com a cognição e o humor. A cognição é um conceito global que permite ao indivíduo resolver os problemas do cotidiano. A execução adequada das atividades de vida diária, particularmente as instrumentais, exige o funcionamento integrado e harmonioso das diversas funções cognitivas, como memória, linguagem, função executiva, percepção (gnosia), praxia e função visuoespacial. Essas habilidades cognitivas dependem da estrutura e função de células nervosas e suas conexões, em diferentes regiões do sistema nervoso (MORAES; LANNA, 2008). O humor permite a ativação e a manutenção do interesse na execução das tarefas, atuando no funcionamento de todas as funções cognitivas, particularmente na função executiva (MORAES; LANNA, 2008).
     A partir dos 60 anos, a prevalência de demência é de 5% e duplica a cada 5 anos, chegando a 30 a 50% nos pacientes com 85 anos ou mais (MORAES; DAKER, 2008). As funções cognitivas podem ser comprometidas de forma única ou múltipla. Todas as síndromes demenciais podem se iniciar com o transtorno cognitivo leve. A heterogeneidade do termo demonstra a importância do diagnóstico pré-clínico das diversas demências (Alzheimer, vascular, fronto-temporal, corpos de Lewy, etc), dependendo do tipo de função cognitiva comprometida (MORAES; DAKER, 2008).
    O diagnóstico de incapacidade cognitiva deve ser seguido pela diferenciação entre depressão, delirium, demência e doença mental (esquizofrenia, parafrenia, oligofrenia, etc). Esse diagnóstico diferencial pode trazer dificuldades, particularmente quando a história pregressa do idoso é desconhecida. Além disso, não é rara a coexistência entre elas (MORAES; DAKER, 2008).
                   
 2.2) Instabilidade postural


    A mobilidade do idoso, ou deslocamento pelo ambiente é essencial para que ele execute plenamente as atividades de vida diária, tanto básicas como instrumentais (MORAES; MEGALE, 2008). A instabilidade postural pode ser conceituada como uma tendência a quedas (MEGALE; MORAES, 2008).
    As quedas e suas consequências são mais frequentes na idade mais avançada, e os idosos, quando caem, correm mais riscos de lesões. O impacto psicológico das quedas é outro fator importante entre indivíduos mais velhos (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002).
   As causas desse problema frequente entre os mais velhos podem ser únicas e claramente identificáveis ou, mais comumente, múltiplas (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002), que resultam da interação entre fatores intrínsecos, situacionais e ambientais (GUIMARÃES; CUNHA, 2004) e de difícil individualização (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002). Estão, também, intimamente relacionadas à postura e à marcha, que, por sua vez, sofrem várias influências do envelhecimento normal e patológico (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002).
    Estudos sobre a incidência de quedas em idosos estimam que 28 a 35% dos indivíduos com mais de 65 anos caem pelo menos uma vez no período de um ano. Entre os maiores de 75 anos, a incidência varia de 32 a 42 %” (MEGALE; MORAES, 2008). “Aproxinadamente 15% das quedas ocasionam trauma importante, 5 a 10% fraturas” (GUIMARÃES; CUNHA, 2004). “As fraturas do colo do fêmur ocorrem em até 1% das quedas e são causas de significativa morbidade e mortalidade em idosos, além de gastos com a saúde” (MEGALE; MORAES, 2008).


Gráfico 1: Taxa de internação hospitalar de idosos por fratura do fêmur. Brasil (2006-2008).
Fonte: Ministério da Saúde. DATASUS, 2009.
                                    


       As complicações decorrentes de quedas são: 
a) morte - a maior parte das mortes de correntes de quedas ocorre naqueles idosos com mais de 65 anos, e as complicações de quedas são a causa principal de morte por trauma em indivíduos com mais de 65 anos . (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002 apud DOWNTON, 1998). Quase todas as mortes são decorrentes de fratura de colo do fêmur. As quedas podem representar, também, um marcador para um risco de maior mortalidade nessa população (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002 apud CAMBELL et al., 1985);
b) lesões - são comuns as lesões resultantes de quedas, ocorrendo em um terço a três quartos delas, embora a maior parte seja de pequena gravidade e mais da metade dos pacientes não procure atendimento médico  (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002 apud DOWNTON, 1998);
c) medo das quedas - as pessoas que caíram experimentam o medo de novas quedas. A perda de confiança decorrente pode resultar em restrição de atividades e representar um fator significativo  para a transferência da vítima para um ambiente mais limitado e supervisionado, como uma casa de repouso (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002 apud TINETTI; POWELL, 1993).


               De maior significância, o medo de queda pode estar associado a um aumento da     mortalidade , com descrições de um terço de mortes em um período de até quatro meses após a admissão hospitalar por queda. As causa dessas mortes eram principalmente devidas a broncopneumonia, infarto agudo do miocárdio e tromboembolismo pulmonar (PAIXÃO JÚNIOR; HECKMANN, 2002 apud SUDARSKY; TIDEIKSAAR, 1997).


d) decúbito de longa duração - Muitos idosos tornam-se incapazes de levantar-se novamente sem assistência e esta restrição pode levar a hipotermia, desidratação, broncopneumonia e úlceras de pessão (MEGALE; MORAES, 2008).


2.3) Imobilidade


    A imobilidade é qualquer limitação do movimento. É a incapacidade de movimentar parte do corpo ou de locomover-se. Portanto, representa uma causa importante de comprometimento da qualidade de vida do idoso (ALMEIDA et al., 2008).
   O espectro de gravidade da imobilidade é variável e frequentemente progressivo. No grau máximo de imobilidade, conhecido como síndrome de imobilização ou da imobilidade completa, o idoso depende completo e apresenta déficit cognitivo avançado, rigidez e contraturas generalizadas e múltiplas, afasia, disfagia, incontinência urinária e fecal e úlceras de pressão, necessitando de cuidador em tempo integral (ALMEIDA et al., 2008).


2.4) Incontinência Urinária (e fecal)


    Incontinência urinária (IU) é definida como "perda involuntária de urina em quantidade ou frequência suficientes para causar um problema social ou higiênico" (MACIEL, 2002; 2004; MACIEL et al., 2008).  É um problema que exerce grande impacto sobre a saúde e a qualidade de vida do indivíduo. Predispões a infecções perineais, genitais, do trato urinário e urossépsis; provoca maceração e ruptura da pele, facilitando a formação de escaras; interrompe o sono e predispõe a quedas. Além disso, causa constrangimento, induz ao isolamento, à depressão e ao risco de internação em asilos (MACIEL, 2002). A IU no idoso está se tornando um problema médico e socioeconômico crescente, devido ao envelhecimento da população mundial e consequente aumento do número de pacientes com doenças crônicas não infecciosas (DCNI), tais como diabetes, doença de Parkinson e demências, como a doença de Alzheimer (GOEPEL, 2010).
      A incontinência de urgência é o subtipo predominante em todas as faixas etárias, embora a proporção relativa se desloque para a incontinência de esforço crescente com a idade (HAMPEL; THÜROFF; GILLITZER, 2010).
    Sua prevalência aumenta com a idade e é maior entre as mulheres do que entre os homens (MACIEL, 2004). No entanto, na velhice, os homens, quase tanto como as mulheres, são afetados por sintomas de urgência urinária (bexiga hiperativa) (GOEPEL, 2010). Afeta 30% dos indivíduos idosos na comunidade e 50% A 60% daqueles internados em  instituições de longa permanência para idosos (MACIEL, 2004; MACIEL et al., 2008).
      Segundo Dannecker et al (2008), a prevalência de IU nas mulheres é entre 10% a 40%. Os principais problemas clínicos em uroginecologia são a incontinência urinária de esforço (perda involuntária de urina em espirros, esforço ou tosse) e a síndrome da bexiga hiperativa (nictúria, polaciúria e urgência urinária com ou sem incontinência).
   Do ponto de vista clínico, a incontinência urinária pode ser classificada em transitória e estabelecida.
  A incontinência urinária transitória (IUT) ou reversível caracteriza-se por início súbito, usualmente associado a condições clínicas agudas ou ao uso de drogas. Tende a ser resolvida uma vez removida a causa ou causas subjacentes (MACIEL et al., 2008). As principais causas da IUT são: delirium, infecções do trato urinário, uretrite e vaginite atróficas, restrição da mobilidade, aumento do débito urinário, medicamentos, impactação fecal e distúrbio psíquico (MACIEL et al., 2008).
    A incontinência estabelecida (IE) refere-se à incontinência não relacionada a problemas agudos e que persiste ao longo do tempo. Pode ser causada por hiperatividade ou hipoatividade do detrusor, por flacidez da musculatura pélvica, por alteração da pressão uretral, por obstrução da via de saída ou por distúrbios funcionais. De acordo com a sintomatologia clínica, a incontinência estabelecida tem sido classificada em cinco tipos: urgência, esforço, transbordamento, funcional e  mista (MACIEL, 2004; MACIEL et al., 2008).



Existem pessoas idosas, algumas vivas, algumas já mortas,
que nos oferecem ricas visões do amanhã, afirmando - entre
suas perdas e limites, e múltiplas enfermidades -  que a existência  é boa.
O artista Goya fez o retrato de um homem velho, muito velho - pintado
aos oitenta anos, quando ele já estava com a visão
 bastante prejudicada - e que traz a triunfante inscrição: 
"Ainda estou aprendendo".
(JUDITH VIORST, 1988).



Posteriormente, retornaremos ao tema.

Um comentário:

Mirna disse...

A perda de cabelo, muitas vezes não tem nada a ver com a idade das pessoas. Com um creme de hidratacao para cabelo bom às vezes resolve o problema.